Produção de cafés especiais ajuda agricultor em tempos de preço baixo; mercado cresce no Brasil

Com os preços do café em baixa no mercado internacional devido à grande oferta no mundo todo, agricultores que investem na produção de cafés especiais conseguem uma espécie de seguro contra prejuízos. Esse mercado vem crescendo no Brasil: a produção quase dobrou nos últimos 3 anos e foi de 5,2 milhões de sacas em 2015 para 9,4 milhões de sacas em 2018. Os dados são da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA, na sigla em inglês).

A maior cooperativa do país tem até um programa para incentivar os associados a entrarem na onda. E, se depender da demanda, o cultivo voltado ao produto “premium” deve continuar em alta.

Segundo estudo encomendado pela BSCA à Euromonitor, o consumo no Brasil foi de 705 mil sacas no ano passado, o que movimentou cerca R$ 2,6 bilhões. A projeção é que os números saltem para 1 milhão de sacas e R$ 4,7 milhões em 2021.

“Ainda é um nicho. Mas o que se vê, claramente, é que esses grãos especiais estão ganhando relevância importante e que ela vai aumentar”, diz Carmem Lúcia de Brito, presidente da associação.

Os cafés especiais corresponderam a apenas 15% da safra recorde de 61,6 milhões de sacas colhida no país em 2018.

A colheita histórica no ano passado ajudou a derrubar ainda mais as cotações da commodity, que já vinham em queda desde 2016, devido à grande oferta em todo o mundo.

Em 1º de maio deste ano, os preços futuros na bolsa de Nova York estavam em US$ 0,93 por libra-peso, nível não atingido desde 2004 e muito abaixo do pico de US$ 2,99 por libra peso, registrado em 2011.

Os preços para os agricultores variam muito. De acordo com o Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), em maio, o valor médio da saca da variedade arábica girou em torno de R$ 380 a R$ 390, para o café tradicional. Já os especiais são vendidos a partir de R$ 800 a saca e podem ultrapassar os R$ 2.000, segundo Carmem.

A quantia recebida no campo, por vezes não é suficiente para cobrir todos os custos de produção, que aumentam.

“Tem 3 coisas que o produtor pode fazer dentro da porteira dele (para melhorar a renda). Tentar gastar menos possível, aumentar a produtividade e melhorar a qualidade. Qualidade na xícara traz qualidade de vida”, diz Osvaldo Bachião Filho, vice-presidente da Cooxupé, a maior cooperativa de café do país, baseada no Sul de Minas Gerais.

O que faz um café especial

Um café classificado como especial é aquele que atinge no mínimo 83 pontos em uma escala definida pela Associação de Cafés Especiais (SCA), dos Estados Unidos, usada mundialmente. A régua vai até 100 e leva em conta aspectos como a doçura, acidez, aroma, corpo, e permanência do produto na boca.

Outro ponto na classificação é o tamanho do grão, que é medido por peneiras. Tem mais qualidade (e maior valor) os mais graúdos, que não passam pelas malhas maiores. “O mercado só valoriza, só vai pagar como especial, acima da peneira 16”, explica Osvaldo Bachião Filho, da Cooxupé.

Como produzir um café especial

Produzir cafés especiais começa com o planejamento no campo. “A primeira coisa é ter a intenção de fazer um café especial, ter a consciência de que não se faz como consequência de uma safra tradicional”, diz Flávio Borém, professor de engenharia agrícola da Universidade Federal de Lavras (UFLA), especialista no assunto há 20 anos.

Um dos primeiros cuidados, segundo Carmem Lucia, é com a terra. “Se eu tiver um solo sadio, terei plantas saudáveis e dando frutos de melhor qualidade. É preciso roçar na hora certa, não usar herbicida a todo momento, colocar matéria orgânica”, diz. Além de presidente da BSCA, ela é também é produtora de café.

É preciso também mapear a lavoura para definir exatamente de onde serão extraídos os lotes especiais, segundo Borém, e regular as máquinas para extrair o máximo possível de frutos cerejas, retirando no máximo 15% de verdes.

“A maturação é a chave (para um café de alta qualidade). Em um ano difícil como este, de maturação desuniforme (provocada por questões climáticas), tem que se ter ainda mais cuidado”.

Os processos não param depois da colheita. Para Borém, o produtor deve lançar de mão de todos métodos que evitem que o grão se altere depois que sai do pé, seja pelo ataque de micro-organismos ou fermentação.

“Qualidade é sinônimo de uniformidade. Além disso, quanto mais intacto o grão ficar por dentro, melhor”. É aí que entram as técnicas de secagem e armazenamento. Para o especialista, o principal gargalo para os produtores que não conseguem fazer cafés especiais é a falta de tecnologias de secagem que permitem um bom controle de temperatura e fluxo de ar.

Tanto cuidado acaba aumentando o custo de produção. “Com certeza produzir café de qualidade custa mais, não é à toa que ele é especial”, diz Bachião, da Cooxupé. Borém diz, no entanto, que o valor agregado na saca supera os investimentos. “Muitas vezes, o agricultor já tem máquina, já tem infraestrutura, só precisa mudar a gestão”.

As plantações, porém, não conseguem gerar apenas cafés especiais. A proporção, na média, fica em torno de 20%, mas há agricultores que conseguem superar os 50%, segundo Borém.

Incentivo de produção

De olho no crescimento do mercado de cafés especiais, a Cooxupé criou em 2009 uma subsidiária só para cuidar desse tipo de produto, a SMC.

Há três anos, criou um programa específico para identificar os grãos premium entre as toneladas que chegam à cooperativa pelos mais de 14 mil cooperados. Funcionários treinados identificam os lotes que entram na classificação e encaminham para a SMC, que faz a oferta ao produtor de acordo com a pontuação atingida.

“Sempre soubemos que havia esse café aqui, mas tínhamos a dificuldade de identificar”, diz Bachião.

Em 2016, primeiro ano do programa, a cooperativa identificou 10,5 mil sacas de cafés especiais entre toda a sua produção. Em 2017, o número saltou para 17,9 mil. Em 2018, foram 31,3 mil sacas — ainda pouco perto das 6,4 milhões de sacas recebidas no ano.

No ano passado, a SMC pagou, em média, de R$ 40 a R$ 150 a mais pela saca de cafés especiais em relação ao preço da commodity.

A Cooxupé também dá palestras sobre como produzir esse tipo de café aos cooperados. Este ano, vai começar a gratificar aqueles que conseguirem os melhores grãos, com um prêmio de até R$ 25 mil, que será entregue no fim do ano.

“A intenção é incentivar os nossos cooperados a produzir esse café, porque o movimento é forte no mundo todo e é importante que eles tenham conhecimento do que o consumidor quer”, diz Bachião.

Em 2018, a Cooxupé exportou diretamente 3,9 milhões de sacas de café e faturou R$ 3,7 bilhões.
Fonte: G1

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